Saturday, February 17, 2007

 
ESPECIALISTAS: Quando cobria o caso Silveirinha, em 2003, participei de uma daquelas conversas que ficam na cabeça do repórter até a aposentadoria. Estávamos, jornalistas e advogados dos acusados, esperando mais uma audiência na Justiça, e um dos defensores contou que, uma vez, foi procurado pela família de um traficante baleado, preso e hospitalizado. Ele não queria pegar essa defesa e, por isso, condicionou sua ida ao hospital, apenas para conversar, ao pagamento de R$ 10 mil. Recebeu, em resposta, R$ 10 mil e mais R$ 10 mil. Foi conversar, mas, ainda assim, resistiu. Pediu R$ 50 mil para entrar na ação, apenas como começo de conversa. Recebeu os R$ 50 mil e mais R$ 50 mil. “Aí eu peguei o caso, né?”, relatou o causídico, sorrindo. Não quero entrar aqui em julgamentos morais, mesmo porque defendo o princípio do direito à defesa, ao contraditório e à presunção da inocência. Mas acho que episódios assim têm que ser levados em conta quando advogados criminalistas, em meio a debates como o do aumento de penas, suscitado pelo martírio do menino João Hélio Fernandes, vêm a público dizer que o aumento das punições não compensa. Eles não são neutros, defendem interesses concretos, assim como os promotores públicos, policiais, religiosos, ONGs cidadãos – nessa discussão, ninguém é neutro. Aliás, em nenhuma discussão há inocentes. Isso deveria ser sempre lembrado pelos órgãos de imprensa, sempre tão zelosos ao ouvir “especialistas” que, em tese, saberiam mais que nosotros, comuns mortais.

Tuesday, February 13, 2007

 
'DITADURA': Imagine um país que regula sua concessões públicas de televisão aberta com classificação de horários –conteúdo “adulto”, com sexo e violência, não deve ser exibido entre 5n30 e 21h – e obriga os telenoticiários a ouvirem acusados de crimes e divulgar as suas versões para os fatos de que são acusados, a preservar identidades de testemunhas etc. Imagine que esse mesmo país não permite que políticos comandem programas televisivos, por exemplo, e tem regras até contra o assédio de repórteres a cidadãos em suas residências, preservando as vidas privadas das pessoas comuns da curiosidade pública. Essa “ditadura” fica na Europa, chama-se Reino Unido – e é inacreditável que ninguém escreva sobre isso neste momento em que artistas e diretores de televisão protestam no Brasil contra a suposta “censura” da portaria governamental que quer impedir que nossas crianças continuem a ser sensualizadas precocemente por cenas de sexo às 15h, por emissoras que depois, hipocritamente, veiculam reportagens sobre prostituição infantil e gravidez adolescente no Brasil. Quem tiver curiosidade, pode visitar o site do Office of Communication (Ofcom) britânico, em http:\\www.ofcom.org.uk (coloquei um link aí do lado). Como o Reino Unido tem um pouco mais de tradição democrática que nós, essa visita pode ser exercício dos mais didáticos...

 
IRRELEVÂNCIA: Declarações de advogados, juízes e juristas condenando a iniciativa de discutir o aumento de penas contra crimes violentos em meio à comoção nacional causada pelo martírio do menino João Hélio Fernandes dão a forte impressão de que o Poder Judiciário brasileiro flerta perigosamente com o risco de se tornar irrelevante. Enquanto os cidadãos das grandes regiões urbanas, sobretudo a do Rio de Janeiro, desenvolvem estratégias de sobrevivência diante do avanço da violência, nossos bacharéis parecem preocupados apenas com manter aposentadorias e extra-tetos que lhe foram legados por uma legislação malandra e em defender o direito apenas dos agressores, desprezando o sofrimento das vítimas e suas famílias. Pode ser apenas impressão, mas é isso que tem sido passado para a opinião pública do País. É básico, para entender a cultura brasileira, ensinam alguns de seus estudiosos, lembrar que, na transição do latifúndio para a cidade, nossa aristocracia rural muitas vezes repudiou o trabalho no comércio e na incipiente indústria, coisas de vilões, e se refugiou nos cargos públicos de nível superior na área jurídica, o que pode ter ajudado a dar à Justiça esse jeitão medieval que assumiu entre nós, em que a insensibilidade e o amor ao direito, espécie de escolástica, são grandes marcas. O problema é que a sociedade brasileira está se modernizando rapidamente, novos grupos sociais e políticos estão em ascensão ­– e o Judiciário ainda parece ligado ao passado. Mais um pouco, será considerado irrelevante e daí poderá passar a obstáculo – o que seria uma ameaça grave ao regime democrático no País.

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