Tuesday, April 22, 2008

 
BRASIL E PARAGUAI, EM CLIMA DE COPA AMÉRICA: Uma colega, então repórter da sucursal carioca da Gazeta Mercantil, há alguns anos quis saber do taxista que a recolheu no aeroporto de Assunção o que significava um monumento pelo qual passara o carro em que iam, na capital do Paraguai. “É uma homenagem aos mortos na guerra com o Brasil”, respondeu rápido o motorista, para constrangimento da jornalista brasileira. Sentimento familiar a nós: há muito, o Paraguai deixou de ser motivo, para os brasileiros, de relatos apenas de feitos heróicos na Guerra da Tríplice Aliança ­–que efetivamente existiram, como o da Retirada da Laguna, magistralmente narrada por Taunay -, para ser origem de consternação e culpa. Com a eleição de Fernando Lugo para a presidência do País vizinho, essa mistura de sentimentos contraditórios, já conhecida, reaparece.

Ecos de um chauvinismo mofado perpassam o discurso de análise da situação paraguaia feitos por alguns setores políticos e empresariais brasileiros, que exigem o cumprimento rígido de um tratado assinado em 1973 por duas ditaduras, quando eram outras as condições econômicas e sobretudo políticas nos dois países. “Interesse nacional” torna-se a expressão-chave dos defensores dessa posição. Segundo eles, seria interesse nacional do Brasil manter exatamente os termos atuais do Tratado de Itaipu, incluindo a energia que compramos ao Paraguai a preços baixos. Todos os brasileiros, então, deveriam, com fervor de final de Copa América, apoiar essa posição, a ser defendida pelo governo brasileiro com garra imperialista e sem discussões de nenhum tipo. Ao Paraguai, restaria a posição subalterna que o transformou no segundo país mais pobre da América do Sul. E nada mais.

Mas o que é, efetivamente, interesse nacional no caso? É apenas o interesse das indústrias do centro-sul do Brasil de terem energia a preço baixo, mantendo altas taxas de lucro à custa da miséria de um país vizinho? Ou também é o interesse do governo brasileiro de manter os termos gerais de um tratado importante para sua política externa, inclusive a sua economicidade, embora possa negociar detalhes pontuais? É o interesse da classe média dos grandes centros urbanos brasileiros de pagar menos por uma eletricidade artificialmente barata e talvez por isso mais desperdiçável? Ou é o interesse de termos vizinhos mais estáveis politicamente, com tensões sociais mais brandas e que não sejam origem de problemas para o Brasil, como contrabando e tráfico?

O bom senso e uma visão estratégica mais amplos talvez recomendem que uma definição maior de interesse nacional, seja considerada nas conversas com o novo governo paraguaio. Trata-se de um vizinho e parceiro do Mercosul mergulhado em problemas sócio-econômicos de grande importância, que não podemos mais ignorar, porque têm reflexos em nosso território. Os brasileiros devem, sim, pesar a importância, para o próprio desenvolvimento do Brasil, de um Paraguai próspero e socialmente mais justo, além da conta curta do custo da energia. Um mercado interno paraguaio mais forte e ligado ao Mercosul pode futuramente gerar fluxos econômicos legais e positivos para os dois lados, ajudando a eclipsar a torrente de ilegalidade que, de lá, atinge o Brasil, incluindo pirataria, tráfico de armas e comércio de carros roubados, tristes marcas daquela fronteira.

Incluir temas extra-Itaipu nas negociações com o governo Fernando Lugo, por exemplo, é um “interesse nacional” auto-evidente do Brasil. Drogas e armamento pesado saídos de território paraguaio abastecem comandos criminosos nas grandes cidades brasileiras. Produtos pirateados, principalmente eletroeletrônicos, saem do Paraguai e são vendidos nas ruas do Rio de Janeiro e outros centros urbanos brasileiros, causando perdas fiscais e alimentando máfias. Sabe-se que quadrilhas brasileiras roubam e furtam carros no Brasil e os revendem para criminosos paraguaios, muitas vezes em troca de drogas. Uma parceria com o governo paraguaio na área de segurança interessa aos dois lados. Mas interessa sobretudo a nós. Por quê não discuti-la, em uma negociação mais ampla com os paraguaios?

Também o desenvolvimento econômico do Paraguai deve ser visto como interesse nacional brasileiro. É importante para os brasileiros que seu vizinho crie para seus cidadãos empregos formais e distribua riqueza e bem-estar social, sobretudo em uma era em que os países da região vêem aumentar a porosidade das suas fronteiras, o que dificulta controles de acesso. Um Brasil próspero cercado de vizinhos miseráveis não é só um insulto aos princípios humanitários mais elementares, é uma estupidez estratégica que nos cortará possibilidades futuras de crescimento e nos transformará crescentemente em um pólo importador de populações sem futuro em seus territórios nacionais. Estimular esses fenômenos, pela manutenção rígida de tratados congelados há 35 anos não é, portanto, nosso “interesse nacional”.

Se realmente pensamos o Mercosul como um mercado integrado e criado para beneficiar todos os seus parceiros, não há motivo para queremos manter assimetrias extremas, com relações econômicas que só beneficiam um dos lados – no caso, o nosso. Essa pode ser a lógica do capital, que olha apenas os números de balanços que enchem os olhos dos seus acionistas, mas não podem ser a base – pelo menos, a única base – da atuação diplomática do Brasil. A integração econômica da América do Sul, a começar pelo Mercosul, deverá dividir, dentro do razoável para os dois lados, lucros e prejuízos, ou não terá futuro. O Brasil, como sócio maior dessa articulação, tem, assim como a Argentina, responsabilidades mais amplas que países menores.

Outro elemento a ser considerado é o próprio Fernando Lugo. Para o mal, mas também para o bem, ele não é Evo Morales, nem Rafael Corrêa nem, muito menos, Hugo Chávez – líder do qual faz questão de manter distância. É um militante da Teologia da Libertação, uma das fontes de militantes do PT brasileiro, apoiado por uma base heterogênea que vai da direita à esquerda e sobre a qual, aparentemente, mantém firme liderança, entre outros motivos pela vitória que conquistou, inesperada há menos de um ano. Fortalecê-lo com um pólo alternativo a Chávez e como líder popular negociador na região e próximo ao Brasil também é interesse brasileiro.

É nesse quadro, de negociações não apenas econômicas sobre o preço da energia, mas políticas, de estabilização e crescimento de um país vizinho e de fortalecimento de um presidente de esquerda moderada e alternativo a Chávez, que as conversas com o governo paraguaio devem ser abertas. Com o espírito de que nenhum tema deve ser tabu, para os dois lados. Preço da energia, ajuda econômica, segurança na fronteira – tudo deve ser discutível nas conversas.

Em troca de mais segurança, com possíveis reflexos na diminuição da criminalidade organizada em seus grandes centros, e prosperidade conjunta futura, o Brasil tem a oferecer mais do que preços melhores para a energia de Itaipu. Tem a tecnologia de programas sociais como o Bolsa-Família, o conhecimento acumulado em instituições estatais como a Embrapa, a Fiocruz e o BNDES, as técnicas de produção de etanol. São elementos que também podem entrar nas conversas, para fortalecer nossas pontes com o país vizinho e ajudá-lo a superar o passado e também o presente de submissão e miséria. Sem chauvinismos ultrapassados e ineficientes, mas também sem o constrangimento culpado dos brasileiros ante os monumentos aos mortos pelo Brasil no Paraguai do século 19.

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Comments:
Meu caro, o negócio é que os governos paraguaios, até hopje (vamos ver se muda com o Lugo) queriam mais dinheiro de Itaipu para financiar uma política clientelista e excludente. Penalizar a indústria paulista para bancar a compra de votos não é exatamente uma pol´tiica de justiça social no continente. O paraguai já tyerm energia muito barata, o que lhe garantiria atração de investimentos, em indústrias eletrointensivas. Não atrai porque não oferece etabilidade e qualidade na Justiça, não dá segurança burocrática, não combate devdiamente a corrupção....
 
Bem, se formos comparar qualidade de governos de Brasil e Paraguai ao longo da história, não chegaremos muito longe, acho. Também não ficaramos lá muito bem nessa fita... E o próprio governo brasileiro admite que falta energia em Assunção, por falta de linha de transmissão. Em se tratando da capital do país onde fica metade de Itaipu isso é um disparate.Que tal ajudar os hermanos a sair do escuro? Bom caminho, concorda? Qto à indústria paulista, não acho que seja oráculo do interesse nacional. A última da Fiesp foi apoiar este plebiscito maluco de Sta Cruz, que só instabiliza mais a Bolívia, o que não interessa ao Brasil.
 
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